Educação antirracista: como e por que praticá-la na Primeira Infância?

Além de contribuir para a construção de uma sociedade equalitária, o trabalho pedagógico para as relações étnico-raciais com bebês e crianças traz impactos positivos que ficam para toda a vida 

Estimular a reflexão e a coragem de lutar contra posicionamentos e preconceitos estruturais aceitos de maneira silenciosa é uma movimentação que tem ganhado força em diversas esferas. A Educação Infantil caminha pelo mesmo caminho. Ainda bem! “Não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”, já ecoa as famosas palavras da filósofa Angela Davis.

Mas, afinal, o que é a educação antirracista nos períodos iniciais da vida escolar?  “É valorizar a autoimagem da criança reforçando que cada uma é bonita com o que tem. É ensiná-la, desde cedo, a tratar as pessoas de maneira respeitosa. É reforçar que nós somos diferentes e que cada pessoa tem seu valor. É apresentar diversas culturas, despertando a curiosidade e não o estranhamento”, responde Patricia Nunes, coordenadora de Formação Continuada da Primeira Infância da Liga Solidária.

Convidamos famílias e educadores a enriquecerem ainda mais esse repertório. Aceita? Leia, então, o nosso bate-papo com a profissional.

Por que é tão importante trabalhar a equidade racial e a aproximação com as culturas do povo originários desde a Primeira Infância?

 Patrícia Nunes: O ponto relevante para iniciar essa conversa é o acesso à educação de qualidade. A intenção é pensar e planejar caminhos para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária na qual todas e todos possam exercer, de fato, sua cidadania. O preconceito, a discriminação e o ambiente tóxico podem ter efeitos prejudiciais para a saúde e o bem-estar de crianças pequenas a curto, médio e longo prazos. Ou seja, o racismo impacta diretamente no desenvolvimento integral e cognitivo. Há evidências de que propor uma educação antirracista, com a participação das famílias, gera resultados significativos ao longo do processo de aprendizado. Vale reforçar que a educação para as relações étnico-raciais é um processo individual e coletivo que busca reconhecer e considerar as identidades, por meio de histórias e culturas africanas, afro-brasileiras e indígenas, previsto no currículo da Educação Infantil Paulista, em destaque na lei nº 10.639/03 e nº 11.645/2008.  

De que forma a educação antirracista é colocada em prática na Primeira Infância da Liga Solidária?

PN: Nossos ambientes de aprendizagem para a igualdade racial são abertos às experiências infantis e possibilitam que as crianças expressem seus potenciais, emoções, sentimentos, habilidades e curiosidades e que construam uma autoimagem positiva, valorizando o contexto local, social e a cultura familiar. Quando a gente apresenta as diversas culturas, estamos dizendo que existem diferenças e que valorizamos essas diferenças. De forma prática, isso acontece por meio de atividades com bonecas e bonecos, instrumentos musicais e confecção de materiais que contemplem personagens negros, indígenas e migrantes representados de modo positivo. Quanto à abordagem, depende da idade da criança, lembrando que elas aprendem brincando. No berçário, por exemplo, contamos histórias, cantamos e apresentamos imagens, sempre falando de cuidar de si, do outro e do ambiente, tudo isso de forma leve. Elas ficam muito curiosas.

O envolvimento das famílias, então, é fundamental. Como vocês fazem isso? 

PN: Sempre digo para as famílias evitarem uma imagem idealizada e hegemônica e valorizarem as singularidades dos arranjos familiares e as contribuições de todos na construção de uma educação de qualidade e igualitária, que respeita e valoriza as diferenças. Quando mães, pais e cuidadores são convidados aos nossos encontros, mostramos o que fazemos no contexto educativo. Por exemplo, se estamos trabalhando atividades de brincar e cantar que envolvem a cultura afro-brasileira, montamos um canto na sala para que possam tocar e cantar com professores e professoras junto das crianças. Também temos a Sacola Viajante, com brinquedos de diversas culturas, que fica um tempo em cada casa para interagir com as famílias. Também as convidamos para compartilharem suas habilidades, a participarem do processo educativo através do conhecimento plural de cada uma. Temos uma mãe que é africana, então ele veio contar as histórias e brincadeiras de seu continente, trouxe as máscaras, a caracterização e as vestimentas. Outra mãe indígena foi até os CEIs apresentar brincadeiras e comidas típicas. Também trabalhamos com a cultura das famílias que vêm do campo. A cultura nordestina para a educação infantil, aliás, é uma das mais valorizadas.